NOTAS DO SUBMUNDO: A INTOLERÂNCIA DO PASSADO AMEAÇA O FUTURO
NOTAS DO SUBMUNDO - EDITORIAL
Publicado em 22/04/2020

 

BATE PAPO – APO – 93
Pesquisa: Benedicto Junior (com fontes, fatos históricos e comentários)

 

TEMA: A INTOLERANCIA DO PASSADO AMEAÇA O FUTURO

1 - EDITORIAL

É entendendo o passado que podemos construir o presente e o futuro e é essa máxima que pode evitar que novos erros sejam cometidos.

A retorica serve para todos os povos e ajuda a identificar erros cometidos semelhantes aos de um passado distante ou até mesmo recente, mas sempre acontecem quase todos os dias.

Hoje o tema “A intolerância do passado ameaça o futuro” e nessas linhas iremos tentar fazer uma relação entre eventos históricos que já aconteceram com ações do presente que terão um forte impacto no futuro de uma forma ou de outra, pois seus personagens estarão registrados nos novos livros da história moderna.

Não que os atos ou atitudes atuais sejam “radicais” como ocorreram naqueles tempos antigos, mas por analogia nos chama a atenção e nesse ponto não precisamos ser videntes para verificar que de certa forma o sentido do autoritarismo está presente, ou seja: Se minha opinião não é igual à do bando eu estou proscrito.

 

 

2 - HIPATIA

Foi por volta do ano de 355 que nasceu Hipátia, em Alexandria, no Egito. Filha de Theon, que era matemático, filósofo, astrônomo e um dos últimos diretores do Museu de Alexandria, ela decidiu seguir os caminhos do pai em busca do conhecimento. Mas isso lhe custou a vida: foi assassinada por defender o racionalismo científico grego (a do raciocínio como lógica de pensamento). Hoje, Hipátia é considerada a primeira mulher matemática que a humanidade tem registros.

Educação e trabalho

Ela frequentou a Academia de Alexandria e, influenciada pelo pai, estudou astronomia, religião, poesia, artes e ciências exatas. Mais tarde, foi aluna de uma escola neoplatônica em Atenas, na Grécia, na qual as doutrinas seguiam aspectos espirituais e cosmológicos do pensamento de Platão, um dos responsáveis pelo desenvolvimento da filosofia ocidental. Atuando na matemática, Hipátia desenvolveu estudos sobre a aritmética de Diofanto de Alexandria, matemático grego do século 3 a.C., considerado o pai da álgebra.

Hipátia ainda desenvolveu trabalhos de ciências exatas e medicina. Quando retornou ao Egito, tornou-se professora de matemática e filosofia. Com seu pai, Theon, lançou comentários sobre os Elementos de Euclides – que são 13 livros sobre geometria, álgebra e aritmética, escritos pelo matemático grego Euclides.

Posteriormente, virou diretora da Academia de Alexandria. Ela também analisou os conceitos matemáticos da obra As Cônicas, escrita por Apolônio de Tiana, filósofo e professor grego. De acordo com historiadores, ela tornou o documento mais acessível e fácil de ser entendido.

 Reconhecimento

Poucas contribuições de Hipátia foram preservadas, pois muitos de seus projetos são perdidos durante a destruição da Biblioteca de Alexandria, na guerra entre pagãos e cristãos que teria ocorrido no século 6. Um de seus alunos, Sinésio de Cirene, declarou que ela construiu um astrolábio (instrumento naval), um hidrômetro e um higroscópico (material que absorve água).

Professora para aristocratas pagãos e cristãos sua inteligência a levou a ser conselheira de Orestes, que fora seu aluno e depois foi prefeito do Império Romano no Oriente. Por sua natureza ao tratar todos igualmente, sendo educada, tolerante e racional, desencadeou uma série de ciúmes que resultaram em sua morte.

 

 

3 - ASSASSINATO

Alexandria é uma cidade portuária do Mediterrâneo, no Egito, durante o período helenístico e foi portadora de uma das sete maravilhas do mundo antigo o Farol de Alexandria, criada em torno de um vilarejo em 331 a.C. por Alexandre, O Grande, não era a capital do Império Romano do Oriente, mas competia com Constantinopla, hoje conhecida como Istambul e para entender os motivos de seu assassinato temos que saber o que acontecia naqueles tempos a partir daqueles anos. Os reis que governavam Alexandria atraíram os principais eruditos, cientistas e poetas a sua cidade oferecendo-lhes empregos vitalícios no Museu com boas remunerações, isenções fiscais, comida e alojamentos gratuitos e acesso aos recursos quase ilimitados da biblioteca assim foram estabelecidos padrões intelectuais elevadíssimos e possibilitaram grandes descobertas e invenções.

A biblioteca de Alexandria não estava associada a uma doutrina ou escola filosófica em particular. Seu objetivo era a busca intelectual em todos os seus aspectos. Ela representava um cosmopolitismo global, uma determinação em reunir o conhecimento acumulado de todo o mundo e de aperfeiçoar e acrescentar mais a esse conhecimento.

Em seu apogeu, o Museu continha pelo menos meio milhão de rolos de papiro sistematicamente organizados, etiquetados e armazenados segundo um novo e engenhoso sistema que seu primeiro diretor parece ter inventado: a ordem alfabética.

Nesse período, o cenário era de uma cidade conturbada onde viviam pagãos, judeus e cristãos que viviam em grandes números em Alexandria e estavam incomodados com esse politeísmo. Não duvidavam que outros deuses existissem, mas achavam que esses deuses eram, sem exceção, demônios, ferrenhamente determinados a atrair o povo para longe da única e universal verdade: a sua crença. Consideravam todas as outras revelações e orações registradas naqueles milhares de rolos de papiros heresias. A salvação repousava nas Escrituras.

Séculos de pluralismo religioso sob a égide do paganismo – três crenças vivendo lado a lado com espírito de tolerância sincrética – um dia chegaria ao fim.

No começo do século IV, o imperador romano Constantino começou o processo pelo qual o cristianismo tornou-se a religião oficial de Roma. Foi só uma questão de tempo antes que um sucessor fervoroso lançasse éditos que proibiam e fechavam os locais de culto pagão. O Estado romano tinha dado início à destruição do paganismo.

Em Alexandria, o líder espiritual da comunidade cristã seguiu os éditos ao pé da letra. Litigioso e impiedoso, açulou hordas de fanáticos cristãos que saíam pelas ruas insultando os pagãos. Expondo seus símbolos secretos dos “mistérios” pagãos ao ridículo público, mandou que os objetos fossem levados em desfile pelas ruas.

Os Pagãos insurgiram-se irritados. Enfurecidos, atacaram os cristãos com violência e então se recolheram atrás das portas trancadas do Museu. Armada de machados e marretas, uma turba igualmente alucinada de cristãos invadiu o templo, passou por cima de seus defensores e destruiu uma famosa estátua de mármore, marfim e ouro do deus Serapeon, ainda assim, o líder cristão ordenou que monges se instalassem nos templos pagãos, transformando-os em igrejas! Pratica adotada em sua expansão pelo mundo, subjugando culturas e impondo seus dogmas como a única verdade, acima de outras culturas.

Alguns anos depois, Cirilo, o sobrinho sucessor do patriarca cristão, expandiu o escopo dos ataques, dirigindo sua ira religiosa dessa vez aos judeus. Exigiu a expulsão da grande população judia da cidade.

O governador cristão moderado recusou e essa recusa foi apoiada pela elite intelectual pagã da cidade, cuja representante mais conhecida era a influente, lendariamente linda quando jovem, e imensamente culta, Hipátia.

As mulheres no mundo antigo muitas vezes tinham vidas reclusas, mas não ela. Na época dos primeiros ataques às imagens pagãs, ela e seus seguidores nitidamente se mantiveram distantes, dizendo a si mesmos que a destruição de estátuas deixava intacto o que era realmente importante. Só que a agitação contra os judeus deve ter ficado claro que as chamas do fanatismo não iriam morrer.

O fato de Hipátia ter apoiado Orestes, governador de Alexandria, quando ele se recusou a expulsar a população judia da cidade, incitou a circulação de boatos de que seu profundo envolvimento com Astronomia, Matemática e Filosofia – tão estranho, afinal, por parte de uma mulher – era sinistro: ela devia ser uma bruxa, e praticava magia negra!

Em março de 415, a multidão enfurecida arrancou Hipátia de sua carruagem e a levou para um templo que simbolizava a destruição do paganismo para dar lugar à “única e verdadeira fé” e foi ali, depois de ter as roupas rasgadas, sua pele arrancada com cacos de conchas e cerâmica, não satisfeita a turba então arrastou seu cadáver para fora dos muros da cidade e o queimou. Seu líder “herói”, Cirilo, acabou canonizado pela Igreja Católica Apostólica Romana, pelos seus feitos expansionistas.

O assassinato de Hipátia significou mais do que o fim de uma pessoa notável. Ele efetivamente marcou o declínio da vida intelectual alexandrina. Foi o sinal da morte de toda a tradição intelectual da Antiguidade. Nos anos seguintes, a biblioteca de Alexandria com toda sua cultura clássica, praticamente, deixou de ser mencionada.

Por defender o racionalismo científico foi acusada de bruxaria, blasfêmia e sentimentos anticristãos. Ela, no entanto, nunca declarou ser avessa ao cristianismo. Na verdade, Hipátia dava aulas para pessoas de diversas crenças religiosas.

Há diferentes versões que contam sobre seu assassinato; a mais aceita é a do historiador inglês Edward Gibbon na obra “O Declínio e a Queda do Império Romano”, publicada em seis volumes entre 1776 e 1778. Ele narra que, em uma manhã da Quaresma em 415, Hipátia foi atacada na rua pelos “Parabolanos” (guarda de elite cristã) a mando de Cirilo, seu líder espiritual. Segundo relatos a filosofa foi esfolada viva, seu corpo arrastado pela cidade e ao final queimada.

Legado

Hipátia nunca se casou e não teve filhos. Como a sua morte foi muito violenta, declarou-se então que havia chegado ao fim o período antigo da matemática grega e filosofia. Por ter ousado ser professora em uma época na qual as mulheres não podiam fazer quase nada, muito menos ter acesso ao conhecimento, sua trajetória torna-se uma inspiração até hoje.

 

 

4 - CONTEXTO HISTÓRICO

A morte da filosofa na idade antiga, teve um grande impacto posteriormente na renascença pois demonstrou que a intolerância religiosa atingiu grandes proporções e teve seu ápice na inquisição, conhecida como a Idade das Trevas. A Inquisição da igreja católica deixou um rastro de milhões de pessoas torturadas, assassinadas, queimadas, decapitadas, enforcadas e empaladas e tem seu possível encerramento no início do século XIX.

Muitos cientistas também foram perseguidos, censurados e até condenados por defenderem ideias contrárias à doutrina cristã. Um dos casos mais conhecidos foi do astrônomo italiano Galileu Galilei, que escapou por pouco da fogueira por afirmar que o planeta Terra girava ao redor do Sol (heliocentrismo). A mesma sorte não teve o cientista italiano Giordano Bruno que foi julgado e condenado a morte pelo tribunal.

Em 12 de abril de 1633, o cientista Galileu Galilei (1564-1642) foi julgado pelo Santo Ofício, a Inquisição romana, para dar explicações a respeito de um livro que havia publicado um ano antes, Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo, no qual ele defendia, de forma moderada e bem-humorada, o modelo heliocêntrico proposto por Copérnico (1473-1543), no qual a Terra e os planetas giravam em torno do sol.

A publicação era um longo diálogo entre três personagens: Salviati (que defendia o heliocentrismo), Simplício (que defendia o geocentrismo e era um pouco tolo) e Sagredo (que não tinha opinião formada e que termina por concordar com Salviati). Para bom entendedor, o livro ridicularizava o geocentrismo, que colocava a Terra no centro fixo o universo, baseado na física aristotélica e, acima de tudo, no modelo ptolomaico que melhor se encaixava às Escrituras.

A primeira pessoa a apresentar um argumento para o sistema heliocêntrico, entretanto, foi Aristarco de Samos (270 a.C.), muito antes de qualquer dogma cristão que ao relacionarmos tudo isso com Hipátia, apesar do seu desfecho trágico, e de não preservarem vários de seus registros, as suas contribuições para a ciência foram significativas para uma mulher daquela época, em que a Igreja Católica exercia grande domínio e total influência.

Suas contribuições incluíam o mapeamento dos corpos celestes; o aperfeiçoamento do hidrômetro, utilizado para determinar a densidade relativa de líquidos; e o desenvolvimento das formas cônicas e o aprimoramento das teorias heliocêntricas de Aristarco. Atribui-se também a ela, contribuição para o desenvolvimento da primeira lei de Kepler, sobre as órbitas planetárias, cuja sua teoria foi comprovada pelo cientista no século XVI.

  

5 - ANALOGIA ATUAL

Atualmente a extensão da irracionalidade é aterrorizante, pois estamos vendo e ouvindo ideias ditas para a sociedade que tem indicações: violentas, autoritárias, sem empatia, anti-intelectuais e pseudorreligiosas, tudo a título de um conservadorismo político-religioso ideológico, com até mesmo o banimento de livros clássicos da literatura.

Nos tempos antigos e renascentistas a discussão era em torno da posição da Terra no sistema solar, hoje debatemos sobre a Terra ser redonda ou plana, e é nessa retorica de escolha que surge o embate, ou você está de um lado ou de outro, até nas questões sanitárias onde situações de escolha entre quem deve viver: se é o jovem ou o velho ou o pior; escolher entre a saúde ou o risco de contaminação para salvar a economia; mais ainda: seria normal comemorarmos que temos mais curados do que mortos, quando nenhum morto devíamos ter.

Observo em muitos casos todas as características de uma “seita” cujos membros estão dispostos a seguir seu líder incondicionalmente, até a morte. Esse culto à morte está se tornando cada vez mais evidente nas manifestações, quando vemos um caixão sendo carregado alegremente; no meio de uma pandemia, e expõe-se a si mesmo e a outros ao perigo de um contágio e se grita: "A Covid-19 pode vir. Estamos prontos para morrer....".

Acho que já li alguns textos históricos sobre isso.

Fica a pergunta: Será mesmo? Será que quando a morte se aproximar, na hora do desespero e da falta de ar essa caterva estará pronta para morrer?

Como em todos os cultos de conservadorismo pseudo-político-religiosos, as contradições são ignoradas. Alguns sempre acham que sabem mais que os outros ‒ mesmo que os outros sejam o mundo inteiro.

Será que não existe mais a razão e o conhecimento que fizeram a humanidade avançar ao longo dos séculos (apesar dos inúmeros retrocessos, lembra da Hipátia).

Será que existe um ódio ao conhecimento quando este contradiz a “Sua Visão Messiânica do Mundo”, mas tenha certeza que como todos os movimentos fanáticos, o instinto de autodestruição é inerente ao movimento.

 

 

Pense nisso:

“SEMPRE É TEMPO DE PESTE, QUANDO SÃO OS LOUCOS QUE GUIAM OS CEGOS”
William Shakespeare

 

 

6 - INDICAÇÃO METAL E LITERATURA

Indicação de livros para leitura em tempos de quarentena:
- A Arte da Guerra – Sun Tzu (Escrito em 2500 a.C.);
- Malleus Maleficarum – por Heinrich Kramer e James Sprenger (Escrito em 1484);
- Fernão Capelo Gaivota – por Richard Bach (1970);

Fontes
Wikipédia, Revista Galileu, jornalista Philipp Lichterbeck e Deutsche Welle

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